nunca mais



Eu sempre colhi os cogumelos...principalmente os negris(um nome que a fadameiobruxameioflor colocou para separar os especiais dela, que roubava o sabor das flores)Esses - ela dizia - devem ser colhidos por mãos leves que tocam seda...eu sempre toquei sedas. Bordava elas em forma de véus e fios de ouro que minha mãe tecia. Talvez por isso, os cogumelos me encantavam, até os mais venenosos e eu ria quando meu irmão passava longe deles, achando que só de passar perto, morria.
Um dia, à beira do algo que circundava a floresta ela sussurrou olhando minha cestinha cheia dos negris: toque nele...tirou um mais volumoso e colocou na minha mão. A maciez era surpreendente. Parecia que a qualquer momento se transformaria no cetim suave dos tecidos.
Não! - Ela me interrompeu - toque com os olhos fechados e sinta a textura e a emoção dele.
Um dia, ao leve toque da alma entenderá esse momento. E saberá o que quero dizer. Quando as emoções trespassarem a fronteira do querer e a vontade ser mais forte do que o que tem que ser...me entenderá. Aí, eu já serei poesia.
E você já viverá poesia. E mesmo que seja um sentimento passageiro será tão intenso que será eterno.
Hoje, quase 34 anos depois eu entendo e sinto a linguagem do toque.
Como pode?! Sem nem saber como seria e o que seria ser!
Hoje eu sou
Mariana Gouveia - Das delicadezas dos instantes
Esta madrugada senti a delicadeza dos montes,
Hoje me deu o sortilégio um céu carregado de pólvora, tudo á minha volta parecia tombar de chuvas conhecia o milho painço e as maçarocas que não cresciam mais nos campos mas os cogumelos enfeitiçados eram o instante magico e ali fiquei deitado observando um; castanho morto e grande, como que restos d’ uma civilização habitava nele e sob o grande chapéu castanho, quase seco.
Imaginei a fronteira entre o ser e o imponderável, sustive a respiração assim, pousando a mão, e fui aproximando de leve, pousando como não querendo afugentar, o toque eminente no brilho suave como se fosse o último e sagaz segredo.
A delicadeza da natureza ainda me impressionava, os céus tugidos , as cores fortes , os orvalhos e os cheiros das florestas nas chuvas matinais.
Também aqueles seres pressentiam a mudança nos céus, no rodopio das nuvens na poesia das estações que proclamavam nunca vistas nuvens com diferentes formas, diferentes sensações nunca antes sentidas nas mudanças de anteriores estações.
Tocou-me ou toquei-lhe a medo nos lábios brandos, perpassou-me uma humidade alucinada e virei de poema em poeta, era intenso o sentido e manso o momento, a minha alma apreendia sensações.
Próximo, no ramo mole da acácia um covo preto gritou dizendo, para meu espanto”nunca mais” assim sem menos nem mais “nunca mais”.O meu coração ficou parado, olhando o bico ousado deste corvo que pousou nos meus ombros gritando, afasto-me e ele pousa no Quercus” nigrus” e continua falando “nunca mais”.
Ainda hoje quando passei de novo na floresta o corvo me ameaçou, pregando “nunca mais”, segui-o com os olhos e ele perde-se nela, cada vez menos floresta, cadáver do que já foi e o corvo pousa e vai ,vai pró fundo ainda mais fundo na floresta morta  mais uma vez gritando “nunca mais”

Jorge Santos

Horus


 Horus

Florença, quente e húmido fim de tarde, quase noite, Nas mãos delas, unhas rebeldes em luz fosca de velas, circulava e rodopiavam, dir-se-iam de plantão plantadas em rua vilã ou viela apagada e soturna, as muitas videntes, novas e velhas.
À volta de bolhas de cristais translúcidos, mariposas esvoaçam enquanto sons abafados intangíveis criavam uma atmosfera densa, fragial no ritual das videntes da Florença fim de tarde, sentia-se em casa e avança, por entre aquela multidão que dança em rodas de bruxas, feiticeiras, alguns turistas e carteiristas ítalos, caminha alheio e defronte dele abre-se a porta da catedral renascentista da cidade, convida-o um monge tapado a preceito a entrar, ele olha para trás sobre os ombros ainda o monge não se tivesse enganado e pergunta-lhe sussurrando:
- quem? Io?
O monge baixa ligeiramente a cabeça em sinal afirmativo.
Os passos ecoam na Basílica, o esvoaçar de uma coruja perto do altar e a luz ambígua e pouca que se esgueira pelos vitrais penetram fundo no espírito de Joel, como se aquele segundo tivesse sido congelado para jamais o abandonar e o perseguisse futuramente fosse para onde fosse na demanda mística que se propusera.
Aquele segundo tinha-o visto de soslaio nas auras de cristal da rua das videntes.
Provavelmente Joel nunca sentira calafrio tão intenso percorrer todo o corpo e fixar-se no fundo das costas, entrara numa imensa galeria de estantes com pergaminhos e escritos antigos, um escrito em hebraico chamou-lhe a atenção, o título “
עינו של אלוהים” (O olho de Deus), exactamente aquele que o monge retirou cuidadosamente e pousou sobre a grande mesa que compunha todo o centro da sala.
Retirou-se lentamente e em silêncio como tinha entrado deixando Joel só na enorme galeria.
Durante o percurso que realizara na Peregrinação a Santiago de Compostela mencionava-o em registos murais e frisos das muitas igrejas mas duvidara da autenticidade do códice, agora tinha-o ali iluminado pela luz vagabunda dos vitrais da catedral.
Símbolos e mais símbolos afluíam aos olhos espantados de Joel, esperava encontrar uma nova definição para a luz e renascia o interesse pelas transcrições que o seu pai anotara décadas antes num velho bloco, só faltava mesmo era dar sentido a todos aqueles gatafunhos.

Abandona a sala muitas horas depois sem ...
Agora o céu era maior, caminhava desde muito cedo num descampado tingido com os primeiros laivos da madrugada, desde que partira há quatro dias de S.Jean Pied de Port , subindo as encostas íngremes dos Pirenéus até aqui a Atapuerca atravessara vários tipos de paisagem, vinhas recém-vindimadas ,Carvalhais anãos ,cidades grandes e lugarejos com apenas algumas casas pobres , encontrava-se finalmente no reino das pedras ,no mais antigo domínio que o homem tinha gerado e também o mais inextinguível, magnífico  senhor das pedras sentia-se ao calcorrear aquele descampado ,para outros simples calhaus mas para Joel tinham um significado bem mais lapidado, os requintes estavam nas pedras milenares desquinadas pelos pés de quem usufruíra do caminho.
 Acossava-o um apetite matinal que o levou a entrar numa taberna a beira da calçada velha, foi servido de pão muito escuros e um copo largo de leite amável pelo sorriso largo de Maria da Luz, (disse-lho detrás do balcão como se fosse o nome mais original do mundo), no olhar encerrava sigilos e os silêncios das sendas, apenas esperara décadas de sorrisos e generosidades servidas com intimidade para revelar finalmente fábulas com pronúncias coincidentes.
O espanto revela-se como numa pedra da roseta nas simbologias que se escondiam nas brochuras amarelecidas, Maria não tinha uma cultura extravasante mas sabia o som dos silêncios e dos sussurros do vento em árvores e caminhares de miles de anos, o mesmo som abafado da rua das videntes de Florença, exactamente os mesmos cheiros e sigilos. Fez-se um silêncio de cera, os conceitos escondidos nos pergaminhos tinham os mesmos prenúncios, dir-se-iam entoados por todas as fecundadas em unanimidade.
Deixou de relacionar os caminhos cruzados nas terras dos “Vera cruz” ou a Itália do renascimento dos senhorios mas com, simplesmente “Maria da Luz”, com o nascimento do Homem perante o Olhar de Deus, a senda da Luz.
Nos apontamentos do pai o triângulo equilátero sediava o suposto olho de horus e a luz expandia-se de um ponto, algures no que lhe parecia um cabo, no fim da terra, mas era uma Luz feminina que ele pressentia, ao contrário de seu pai que sempre julgou ver Deus um homem imaculado em letra Musculada.
  A Cidade de Burgos, sentada no fundo do vale, presenteia-se sóbria, com excepção da Catedral de pedra clara, símbolo da riqueza cultivada nas colinas adjacentes
  O albergue, minúsculo, situava-se no interior duma capela junto ao centro de Burgos, junto à porta já se acotovelavam alguns peregrinos, no interior decorria uma missa, Joel espreitou pela porta entreaberta, aproximou-se e tentou entender o cochichar de dois encapuzados atrás do altar mas estas falas não figuravam nos idiomas que conhecia, de novo o mesmo sentimento de sigilo no vociferado  secreto do sacerdote .
Encimando o púlpito, o mesmo códice, notava-o pelo símbolo cravado em forma de 3 invertido, aparentava os alfarrabios que sem dúvida lhe perseguiam a existência nos últimos anos, no longo caminho desde Jerusalém, passando por Florença e Bruges.
Abismado pelas coincidências deixa-se ficar sentado, pensabundo, no banco do jardim contíguo á enorme catedral, formações de pombos esvoaçam perseguidos por alguns corvos negros que se encarrapitam nos minareis dos altos edifícios causticando com os ralhos os transeuntes alvorecidos e raros daquela manhã dominical.
Poucas porções do seu corpo se encontravam tapadas, a roupa já muito rasgada evidenciava os maus tratos sucessivos infligidos pelas longas caminhadas, pela inclemência do tempo, mas encontrava-se lúcido e sábio como um cão vadio coberto de escaras.
O percurso continuaria por Leon, já mais plano e Samos, (uma outra e mais curta serrania), encontraria porventura as reacções que nestes longos minutos sentados no jardim o pareciam abandonar. Recordou as palavras inesperadas de um monge, em Lhasa transcrevendo um discurso de Budda, proferido sob uma enorme figueira,

Esta, oh monges, é a Nobre Verdade do Caminho que Conduz à Cessação do Sofrimento. Simplesmente este Óctuplo Nobre Caminho; ou seja, directo Entendimento, directo Pensamento, certa Linguagem,certa Acção, Recta Vida, recto Esforço, directa Atenção e certa Concentração.”

“Esta é a Nobre Verdade do Sofrimento. Desta forma, oh monges, com relação a coisas desconhecidas por mim anteriormente, surgiu a visão, surgiu o conhecimento, surgiu a sabedoria e surgiu a luz”

 Joel descortinou simbologias proféticas semelhantes, as mesmas palavras do antigo testamento:

“Depois de ter dito isso, Maria Madalena calou-se, pois até aqui o Salvador  tinha falado. Mas André respondeu e disse aos irmãos:
"Dizei o que tendes para dizer sobre o que ela falou. Eu, de minha parte, não acredito que o Salvador tenha dito isso. Pois esses ensinamentos carregam ideias estranhas sobre a Cessação do sofrimento no êxtase da perpetuação espiritual e física na forma de mulher".
 Pedro respondeu e falou sobre as mesmas coisas. Ele os inquiriu sobre o Salvador:
"Será que ele realmente conversou em particular com uma mulher entregando-lhe os ensinamentos carnais e não abertamente connosco? Devemos mudar de opinião e a ouvirmos?
Joel ficou longamente em silencio depois de ler este escrito:

 Talvez buda e Cristo fossem uma e a mesma entidade, sob os dedos magros do caminhante o manuscrito revelava-se, finalmente a busca insuspeita dava frutos.
Enquanto o percurso Fluía na Jornada desde o Tibete, Monte Sinai, Jerusalém e Mont-Saint-Michel mencionava-se em inscrições murais de muitas culturas e frisos e credos dos muitos e antigos mosteiros e grutas de anacoretas de tantos e diferentes culturas mas não vacilava a autenticidade do descrito no velho bloco de apontamentos.

continuará ???



"O-Homem-que-desenhava-sombrinhas-nas-estrelas"




“O-homem-que-desenhava-sombrinhas-nas-estrelas”





Da maré-alta , até à primeira rua da cidade , restava uma meia-praia, faixa de meia-terra onde um homem-de-meia-idade , nos fins-de-meia-tarde, todos os fins-de-todas-as-tardes , se deitava esperando que o sol se findasse, tal uma clepsidra dourada em que a última partícula de areia era de verde-mar.

Verde-sal , era igualmente a primeira estrela na perspectiva do homem da meia-praia.

Nos miles-de-miles-de-milhões de asteriscos e a anos-luz do Homem, ele desenhava constelações, navios velas e dragões, cavalos-das-bruxas e as estrelas pequenininhas , eram vestidos de principescas vestais , nos ventos estelares em esvoaçares constantes.

Mas , o que o homem da maré-alta , gostava mais de gizar , eram sombrinhas de varetas largas , que cobriam todos os céus, sugeriam explosões de artifícios artefactos e traziam a felicidade beijada aos homens-de-boas-vontades , de todas, todas as cidades.

Fez-se velho, sempre-sempre no indiferente lugar de beira-mar, imaginava-se vagabundo , em espaços siderais , a-cavalo em estrelas cadentes , ensaiando epopeias cósmicas , em sistemas de duplos-sóis, planando mares-de-azoto,visitando seres-de-sílica ,estes também sonhavam no homem-das-sombrinhas de constelações alteradas .

Desenhava sombrinhas , de varetas multi-cores , derramadas num pano azul-negro-ouro que cobria toda a imaginação-humana de norte-a-sul .

Quando acabou de arquitectar, no espaço que restava da meia-praia,numa faixa-de-terra entre a maré-alta e a cidade,os asteriscos em Concílio elegeram-no por uníssono-e-aplauso-celeste , Estrela-do-Norte e astro fulcral da sombrinha-do-homem-dos-desenhos.




Jorge santos

O Transhumante


Oração a um Deus Anão



Procuro castigo puro,

Porque Profanei o tumulo

Destinado do destino

E a Mansão do Emílio Zola.

Procuro quem me iluda,

Dedo aponte ao proscrito,

Traslade do garrote,

Armadilho em Covil de Zorra.

Procuro castigo duro,

Carga de rinoceronte

Ou Cornada de bisonte,

Abate contra o muro

Como um Goya fuzilado.

Procuro castigo rasgado,

Pelo corte picotado,

Missiva de Degolado reles,

Enxertado nos baldios

Dos infernos dos montes

Dos Perdidos.

Procuro rastilho

Curto de explosão

Rápida em paiol

Procuro lábios de sangue

E segmentos de enxofre

Que chamem a atenção.

Procuro castigo puro

Por saquear a vala comum

De um Deus anão



JORGE SANTOS


Ave do Parnaíso


Roxxanne brotou alterada, sem voz de pata ou gansa, Alaranjada ao invés de tutti-color , como gansa da quinta do parnaíso , da dita dimensão que se preze,de pescoço alevantado, longas plumas laranja e penachos verdeosos. Tomou-se logo de manifestas ostentações e, imediatamente; depois de se mirar, breve no lago, pela primeira vez . No galináceo arrabalde, levantou-se longo e lesto burburinho, eram tantos os aplausos e ovações tais quais das outras lhe prendavam a vaidade que bella Roxxanne tomou essa magnificência como verdade absoluta e magistral.


Foi num fim de tarde, um por sol de igual grandeza Cobiçou e desde logo namorou daí, do poleiro, ela ambicionou plágiar o brilho solar. Desfez-se Sol em claridade solestícia em longes e alturas de multicores nos céus do arco-íris orquestrando minuetes e tons de édens celestais.

Bella Roxxanne inflamou-se, os penachos laranja tintaram-se ,solarizaram-se e radiaram tal brilho que toda a capoeira saiu em alvoroço.Foi o suficiente para queimar as penas que a cobriam ; ficou sem pena alguma, tapada por uma pele burbulhenta e cachuchos , inchada até à ponta do bico que mais parecia um pato-bravo e mudo.

Fugiu dali espavorida, perante o susto, toda a quinta do parnaíso ficou escarapantada.

Não conseguindo encarar a luz de frente esconde-se entre a folhagem de uma grande Magnólia de folha caduca em Shang-ri-la, tinha–se transformado em filha bastarda do sol, os raios que outrora lhe davam vida açoitam agora a pele nua.

Como sabem, shang-ri-la é um reino laranjado em terras de laranjais e perto do território das nogueiras e dos Azeites na Provinciana Sadina.

Caiu a noite e disse-lhe a lua ,já cheia da melancolia da ave nua:

-Todas as flores já choram ,vês aquela rosa amarela encharcada em lágrimas ? Até eu já estou branca e baça de triste.

Vê... Roxxanne , como brilham as estrelas, algumas mais que umas outras, destas ,várias foram gigantes e agora não passam de anãs brancas ,todos nós tivemos oportunidade de brilhar pelo menos uma vez na vida ,temos de aproveitar ,como tu ; usar esse brilho, sim, mas fazê-lo durar o mais possível, como um archote na noite,  quando este se apaga cedo demais podemos ficar às escuras e perdidos , sem luar, tens de felicitar-te por teres brilhado ,muitos nunca o fizeram com medo de se exporem, amanhã , outro galináceo será premiado com elogios e também pensará igualar o sol , eu , por meu lado , sou apenas um espelho ,nunca pensei , em ser mais brilhante que ele, contento-me com isso, mas tu ; tu és uma ave magnifica , porque sonhaste o sol.

Todos nós somos filhos do universo e de uma verdade inconciliável ,O Caos,  pó das estrelas somos  , já todos ardemos em fornalhas como o sol ,até eu própria  e lançados no espaço , como filhos  e viajando , para SEMPRE Nele.

Mais serena e confiante , a ave do Parnaíso , cantou pela primeira vez e a mais bela canção  alguma vez ouvida, viveu feliz em chang-ri-la ou em qualquer outra história dos Homens



JORGE SANTOS

Núria's Ring


Nuria’s ring


Reza a historia ,que no reino de Devon aconteciam estranhos encantos, vivia na floresta de Dartmoor , na mais recôndita clareira ,numa simples cabana, uma feiticeira, Núria ,cujos encantamentos , soprados de ouvido em ouvido eram sobejamente conhecidos , todos os gentios sob o domínio do soberano Conde lord Wellington ,apelavam a Núria para conseguirem sobreviver , O Conde era um homem insolentemente rico e gordo devido aos impostos cobrados aos vilões e gentes do condado.

O medo reinava em Devon, empobrecidos e tristes d’alma solicitavam a Núria , a feiticeira que , com o poder de um único dedo enfeitado com um grande anel de cristalinos diamantes afastasse o triste fadar dos rostos desta pobre gente, quando regressavam às aldeias vinham felizes,traziam sacos com comidas e nas bolsas algumas moedas de ouro,sabiam que não poderiam arrecadar muito ouro e riquezas sob pena de não conseguir regressar à floresta com o coração puro e não poderem mais admirar os encantos feitiçados da liberdade.

A floresta coriscava de brilhos, aos seus olhos encantada,ali pendiam das árvores lianas em ouro,ali havia esmeraldas nos ribeiros,cascatas de prata ,as gotas de água cintilavam de diamantes, topázios e até os céus eram dourados(tal como as cúpulas das igrejas de Lord Wellington), mas só douravam para quem entrava no retiro com o coração aberto e a alma pura, os esbirros do soberano e os cobradores de impostos do reino tinham medo das escuridões,dos sortilégios, das velhas árvores negras e dos personagens sisudos (pensavam eles) que por ele circulavam,não se atrevendo a passar além.

Decidido a pôr fim aos largos sorrisos dos seus súbditos manda o Lord matar a feitiçeira,pede a um grande número de homens que se dirijam à floresta de Dartmoor e cortem o dedo de Núria como prova da sua morte,dará por esse feito uma larga recompensa em terras e castelos de nobres caídos em desgraça,era seu hábito matar todos os que se lhe opunham,até mesmo seus pares.

Assim fizeram os seus homens mais valoroso , apesar de grande parte deles ter desertado antes de entrar na floresta. Depois de assassinarem Núria , cortaram-lhe o dedo mas o anel foi cair numa raiz de Mandrágora.

Ao chegarem ao palácio , Lord Wellington atira desdenhosamente o dedo para o jardim , indo ficar num canteiro de flores, pensou ele ter-se livrado definitivamente da feiticeira.

Ainda hoje, o dedo espetado de Núria ,envolto em belas gotas de orvalho , aponta todos os palácio , de todos os Lordes e corruptos , é uma praga magnífica, existente em todos os belos jardins, de todos os reinos, todas as cúpulas douradas, de todas as igrejas e todos os palácios, construídos com suor e os impostos dos pobres, permanecem apontados por um dedo e hoje, ainda ninguém,sabe ao certo, qual foi o segundo feitiço, que Núria rogou, a todos os déspotas deste mundo.

O anel Ficou na raiz da Madrágora,(daí a semelhança com Núria) e continua , a encantar as florestas ainda não devastadas e urbanizadas, uma vez que,os seus gritos , ao ser arrancada à Terra Mãe , em noite de lua cheia , matam qualquer construtor ou condutor de bulldozer que o intente, apesar de todos estes usarem maléficos negros cães , descendentes dos soldados de Lord Wellington que ousaram entrar nas MINHAS florestas encantadas e... Meus domínios.



Transhumante (guardião de paz verde)



Jorge Santos (2008)

O batel

Batel pacato


O meu pai foi sempre um homem pacato,foram poucas as ocasiões em que o vi expressar largas emoções,mas quando se fazia ao rio tudo mudava,com um sorriso nos lábios contava-me todas os contos dos mundos,contos e mundos que herdei dele.

Foram muitos os dias que naveguei por mares profundos sem saír do mesmo lugar,meu pai fundeava o pequeno batel na praia da Comenda,raramente navegava pela baía do Sado,mas inventava historias que me faziam navegar pelas sete-partidas do mundo.

Ansiava a chegada do domingo para ir na velha vespa 125 esverdeada ,estacionar na praia e galgar a borda do pequeno barco,depois era vê-lo,a saír da praia,dizer adeus aos farois desta cidade,à nostalgia do canto das gaivotas citadinas,abraçar grandes e pequenas ondas ,passar por ilhas desertas , atois de areias brancase,pássaros de todas as cores,palmeirais e vulcões.

Naveguei por entre piratas,fui aprisionado como escravo,deportado em galeras fenícias,transportei pedras Nilo acima até altas pirâmides,no Ganges naveguei por entre folhas transportando velas acesas,em nazca criei linhas rectas a perder de vista,guano recolhi em Atacama,pelo Pantanal brasileiro,depois os glaciares tombaram á minha passagem pelos estreitos de Magalhães,Desembarquei também na ilha do Elefante,rumando ao Austral mar,no boreal pesquei bacalhaus gigantes,Alaskas pisei com mokassins de indio,rezei em todas a linguas todos os credos,tudo graças a meu pai que nunca saíu deste rio,o batel jamais foi desamarrado do Cais da Comenda.

Só depois de conhecer todos os mares coloquei os pés em terra e resolvi conhecer as montanhas e serras deste e outros continentes,mas sempre com os olhos cheios da imaginação do meu pai.foi também por ele que resolvi contar os sonhos em frases ,pode ser que os meus filhos lindos e outros filho de outros homens de bateis pacatos continuem a imaginar viagens extraordinarias.



Jorge Santos

Espinheiro


Cruz d’Espinheiro.


Melros estridentes cruzam os bicos sobre pinheiros frondosos e cheiros fortes, instam os borrachos tardios ao voo; estes, dos nichos pendurados nos arbustos, dir-se-ia que protestam as censuras dos progenitores enquanto tudo mais cala em tarde de lua longa.

Findo o rumor perturbante do dia, reaparecem, mais sinceros os silêncios do lobo, encontrava-se preso num espinheiro que lhe perfurava a pele e perturbava o espírito, paralisava-o até aos mínimos movimentos que se esgotara de planear, os seus esforços ainda tinham enterrado mais profundamente os espinhos.

Deitou-se exausto na mais cómoda posição que conseguiu, o ocaso fitava-o na silhueta projectada pela cruz de espinhos. Saídos das sombras os esquivos morcegos fazem as primeiras aparições perseguindo vorazmente as presas, no desalinho do pelo do jovem lobo e nas feridas vivas, formigas e insectos insistiam em dilatar a dor e as feridas ensanguentadas.

Deixara a alcateia pela primeira vez, procurando caçar sozinho, as lições aprendidas com a mãe não incluíam a forma de se livrar de uma prisão feita com materiais naturais mas colocada ali intencionalmente por alguém que invejava os espíritos livres dos animais selvagens, os homens de Murmansk na longínqua Sibéria Ocidental supunham que a sua força e virilidade dependia directamente do número de lobos mortos e usavam-lhes as peles e caudas como troféus de adorno.

Enquanto os espinhos se afincavam em não dar tréguas, com uma teimosia exasperante, Os pirilampos servem de consolação ao triste lobo , que os vê ,lentamente, rodopiarem em seu redor e elevarem-se ,até se confundirem com a aparição das primeira constelações ,nos céus cada vez mais escuros mas em testemunhos silenciosos de milhões e milhões de estrelas.

Com os pirilampos partem também os últimos e lampejantes sinais dos espíritos selvagens e parte porém mais uma esperança dos homens em conviverem com o Planeta, que o Homem não pense que pode viver órfão da mãe natureza e do Pai Universo.



Jorge Santos

Balthasar...


Balthasar possuía longas barbas brancas como os suaves luares, rosto vergado pelos solstícios, era o único morador da longínqua Hirabia, no hostil deserto do Gobi.
Deixara uma carreira de geólogo ao serviço da enriquecida indústria petrolífera por um sonho antigo, abraçar o Deserto, no mais profundo silêncio que o espírito pudesse ouvir.
Não sentia a falta de horários, gentes e cidades. Via apenas o rasto de grandes aviões, cada dia mais numerosos sulcado o céu azul, com outros rumos, indiferentes a ele. Na noite contava as estrelas e constelações das quais ouvira apenas falar aos mais velhos das cidades cinzentas.
Aumentava diariamente o número de raposas do deserto famintas com que Balthasar tinha de partilhar a pouca comida que conseguia criar na pequena horta, ameaçada pela areia, nas traseiras das casas.
Casas Paralelepípedos da mesma cor do deserto e também elas desertas que davam um aspecto cubista à pequena colina dunal , uma única rua de areia ligava-a ao grande oceano de dunas e poeiras .Tinham partido todos para trabalhar nas grandes obras, nas magníficas mega construções humanas.
Os ventos, soprando das cidades longe,cada dia traziam mais e mais o cheiro a pestilência, ele sentia próximo os dias do fim, os dias em que também os seres humanos teriam de mendigar por comida, como as raposas suas vizinhas.
Nos céus, cada dia mais cinzentos ,deixou de ver as estrelas, os sons das máquinas estavam mais próximos, os aviões tornavam os dias nublados mas os seres humanos continuavam, cegamente a construir estradas e cidades , a destruir o único lugar onde poderiam viver.
Balthasar sabia-o, quando deixou para trás os homens , sabia que aqueles seriam os seus últimos dias de paz, em que poderia ver as estrelas e as constelações, de que tanto lhe falavam os antigos. Balthasar sentiu que os seus dias de ancião chegavam ao fim, feliz por os ter partilhado com a natureza, apesar de parecer inóspita e com as suas amigas,as lindas raposas famintas do deserto.

Jorge Santos

Transhumante





O Transhumante


Ou "Versus de Montanya Mayor"


Sud-express , embalado , em lençol deslavado,o Transhumante adormece
rapidamente . Nos beliches próximos Hamid, gordo e seboso que dizia em mau Inglês 
ter como destino o Cairo , e um estranho sujeito, de olhar magro , detrás dos
óculos redondos ,com poucas palavras em que dizia vir do Alaska . 
Na escuridão do compartimento apenas o foco de luz da lanterna lhe permite escrever, seria A Luz, sua companheira nos momentos negros , pelo Pirenéu "nos versos de Montanya mayor".
Na Primeira noite , ficou em plena floresta, em Elizondo, no bosque furioso ,onde o vento o fustigou  uivando como um lobo toda uma noite sobre aquele pequeno e frágil refúgio , azul e negro (o bivac) da cor da potente tempestade. 
Virando-se para trás, fitou, na manhã seguinte, um esquiço de Pirinéu que não
esqueceria jamais, tinha-se perdido nesse mesmo local, em idos de Junho , doutro
tempo, por defronte, bem alto, enfrenta um rasgo de Pirinéu mais tosco, tentará desafia-lo e rasgar o medo de ser solitário. 
seguidamente e Já em Urvallo ,numa pequena e típica cabana de caça, Pako e família ,partilharam com ele uma generosa refeição inundada a vinho que o reabilita e insta  ,os quilómetros seguintes foram divertidos e relaxados,instalou-se nele a confiança,
, até encontrar um holandês , que o considerou louco , por cantar em voz alta ;
Mas…quem se poderia considerar são, naquelas intermináveis danças, com árvores e
pedras. Pensou em Saramago , no “Memorial do Convento “,”completamente louco , varrido, numa terra , varrida de loucura.” 
Veio então Burgette,outra pequena aldeia de montanha ,mais alguns km.de
pista e encontra finalmente os primeiros peregrinos de Santiago, inconfundíveis
, no aspecto medievo; poncho, cabelos compridos, chapéus de cabedal e
também de emoções diferentes , ainda não partilhadas por ele , homem pouco dado
a epifanias, pelo menos até aquele momento.
Chove constantemente, mas mãos bem assentes , em cumprimentos efusivos dos peregrinos sobre os seus ombros como que o protegem .
O trilho, apesar de difícil,fluía perante os seus olhos, sob os pés demasiado cansados,rumo a mais um colo de outras florestas.
Um belo arco-íris em Mendilaz,outra aldeia , nada fazia prever , perante aquela imagem , o tsunami que essa noite iria cair, felizmente o "fronton",(recinto de pelota basca)
coberto , evitou males maiores, conseguiu dormir seco.
Enfim , Ochagavia e Isaba ,e depois da tempestade a bonança , fresca , com cheiros benignos e resinosos ,acompanhou-o , na respiração rápida e ofegante de caminhante feliz , Col de Somport e Candanchú aproximavam-se depressa,Venceu-se horizontes
e espanta-se que , as novas vistas , sejam diferentes , apesar de iguais , e
assim progride , diariamente , tentando ver o que está por detrás do monte,por
detrás dos novos e iguais horizonte.
Os grandes estradões gastos, antes de começarem os caminhos empinados, permitem-lhe escrever enquanto caminha rápido ,o tempo , demasiado calmo, anuncia a nova tempestade, nas tardes certas ,sempre  em tempo certo.
Imensos esquilos fugindo, alguns  veados e cavalos , quase o empurram, o céu tinge-se de negro, rugindo forte , ao som das trovoadas.
"Valle do Ecco" ...escrito no mapa molhado , um Vale, onde nem os próprios pensamentos  consegue ouvir. 
Encontra Ascencion e Angel,foram companheiros por algumas horas e repartem com ele  batatas cozidas,acompanham-no poucos kilometros , mas logo ficam para
trás .
Apenar os nomes destes,Angel e Ascencion , não se enquadram com o local onde os encontrou,Valle do Erro (vale dos Cavalo),seria engano ,estaria errado de novo? (como em 2007) Desacertado encontro com Anjos,mais tarde haveria de pensar nesse acontecimento. De novo alcança protecção, na escuridão de Isaba .
Terceira noite adormece  apesar de fortes dores num pé torcido de quando caiu de uma
ravina sobre um colchão de folhas podres , foi a mochila que felizmente amparou a
queda. 
Depois disso viu (ou pensou ver)  o que pareceu "O S. Miguel," na porta
do mosteiro do século doze,como uma miragem , mas foi só ele que o conseguiu ver em doze séculos , foi um sopro de esperança , na realização da difícil etapa e e no finalizar do percurso. Coxeando muito, arrastava o corpo cansado em direcção de Zuriza e Aguas Tuertas , depois e porventura acabaria chegando a Candanchú ,coll du Somport, quase doze horas de marcha tarefa árdua  , mas pensava conseguir chegar, estava bastante animado. 
Acordou ainda era noite fechada,tinha de esticar o passo em direcção ao desfecho, iria percorrer um terreno muito mais difícil de montanha, com trilhos pouco definidos e sem mapa, já que, quando partiu de Irun,(local da foto acima) , não pensava chegar
tão longe ,a neve , fora de época e pendurada nos picos de Penha Forca ,incomodava-o, teria de atravessar,com ténis , uma zona de progressão mais técnica e difícil. 
Encontra então o derradeiro Miguel,quem sabe, talvez o S. Miguel da porta da Igreja do século doze (,aquela figura dúbia que apenas a ele ,doze séculos depois do carpinteiro a talhar lhe parecia mostrar o S.Miguel estilizado na porta de madeira velha) 
Miguel nunca tinha pisado a Montanha tão seriamente , condutor de autocarro, resolveu uma semana antes atravessar esta rota ,assim e sem mais , nem menos... .
mas foi Graças ao apoio mútuo que chegaram
ao coll du Somport,Candanchú.
Miguel continuará ainda caminhando, entre os caminhos dos peregrinos e outros, 
nos "Versus da Montanya mayor" em busca de outros viajantes solitários em perigo.
Ele ,"O Transhumante" ,regressará de novo em outros dias de outros Junhos , noutro tempo ( por sinal este ano de 2010 a 6 de Junho),na tentativa de chegar a Andorra ,até ao Mediterrâneo em 2011, e mais além....Talvez, (porque não Istambul ?)



Jorge Santos/Transhumante
          05/2010



O Silêncio do Nada
2ª etapa (Coast to Coast) Atlântico /Mediterrâneo
3 dias e meio (Canfran/Viadós)
O dia estava morno e ventoso enquanto calcorreava as escadinhas de Alfama, ao fim do dia despediu-se da companheira o do filho no Museu da água e um táxi levou-o ao aeroporto, opção que se revelaria incómoda, apesar da rapidez deste meio de transporte em relação ao autocarro habitual (Lisboa /Madrid costumava demorar cerca de 9 horas).
Estava animado pelo sucesso do ano anterior, tinha percorrido 250 km em quatro dias e meio, ainda não tinha recuperado completamente do pé torcido (talvez nunca recuperasse), mas nada o detinha na tentativa de atravessar do Atlântico ao Mediterrâneo, desta vez começaria em Canfran, perto de Candanchú, (coll du Somport) onde tinha finalizado em 2009,Canfrac era uma linda estação de caminho de ferro, monumento de outras épocas mas tristemente abandonada junto á fronteira com a França, esperava ainda os comboios que não mais chegariam, por estúpidos motivos políticos.
Eram 13:27, hora de almoçar e lançar-se montanha dentro apesar da chuva forte e da neve em quantidades recordes nas portelas e cumes, percorreria 18 km até ao anoitecer em Salent Galego
Ao chegar a Fuerte Col de ladrones, uma pequena fortificação de portagem medieval, já está encharcado até aos ossos e tremendo de frio, sob a pouca roupa que tinha consigo, afinal era verão e tinha de carregar o mínimo de peso para conseguir alguma velocidade num terreno tão inclinado como era aquele com passagens pelos 2.500 metros e desníveis consideráveis.
O xisto cinzento parecia fazer crescer um céu tormentoso quando chegou a Formigal, uma Dantesca estancia de ski, teve de apressar-se ao sentir os típicos sinais de resfriado provocados pela neve e gelo e o esgotamento dos cerca de 20 km feitos numa única tarde, quando chega finalmente a Salent Galego entra na primeira porta e nem negoceia o preço da noite, tinha pressa de secar e dormir, a última noitada tinha-se passado esperando transporte no terminal rodoviário de Zaragoza, dando voltas à enorme estação para conseguir manter-se acordado, sabia que o perímetro demorava uma hora a completar, em passos lentos e foi assim contando as horas de uma noite difícil, mas era preferível a acordar sem nada como já tinha acontecido fazia tempo
De manhã acordou as 7 horas, mas sai do hotel as 8 horas em ponto, com céu limpo espelhando-se na barragem de Sallent a caminho de Panticosa mas fê-lo pelo caminho fácil, tinha-se informado previamente da viabilidade de outro caminho mas a neve continuava intransponível, além disso este estradão ia directo até ao balneário de Panticosa, outra aberração Pirenaica, uma estação Termal cinco estrelas inaugurada e logo abandonada, este atalho permitia-lhe aumentar substancialmente a velocidade média do percurso por ser feito numa estrada e não num caminho sinuoso e difícil como a maior parte do percurso.
Olha para o relógio, eram 11 horas e estava já em Panticosa, percorrera 20 km em 3 horas e esteve animado nos restantes 17 km até Bujaruelo onde chegou pelas 5 horas da tarde,a tempo da primeira refeição do dia e recuperar fôlego para os próximos 18 km até ao Parque natural de Ordesa (Cabana Suaso).
Pela primeira vez encontra uma alma viva no trilho, assusta-o o rastilhar do mato, era um corredor de longa distancia que aparece repentinamente, ia na mesma direcção e mais tarde protagonizaria com ele o abandono do GR depois de se perderem juntos em Goriz.
Foi um dia longo, percorreu 56 km, já tinha anoitecido quando se aconchega frio e molhado na Cabana Suaso cheia de centenas senão milhares de inofensivos ratos, no Parque Natural de Ordesa e Monte perdido, o pé voltou a resvalar numa pedra e foi dolorosamente que se arrastou a ultima centena de metros e de novo sob chuva forte, a chuva constante de todas as tardes Pirenaicas.
Mas renova-se de energias no terceiro dia pela excelente paisagem de canyons e florestas densas da zona, Goriz e Anisclo eram agora as metas e seria talvez no Refúgio de Pineta ou a aldeia de Parzan sua próxima meta,ainda não sabia ele que chegaria a Parzan sim, mas no carro de apoio do John ,o incontornável corredor de montanha.
O trilho escondeu-se sob a erva muito alto, (de novo devido à meteorologia extrema do ultimo inverno) as confortáveis marcas brancas e vermelhas desapareceram, esperando por ele mais à frente estava John, o referido colega de percurso que lhe fazia lembrar uma lebre sendo ele a tartaruga, o outro corria, e ele, com algum peso às costas (além da idade, que começava a pesar também, apesar de Transhumante) tentava deslocar-se o mais rápido que podia.
Foram horas que passaram na busca do trilho e de “Fuen Blanca”um manancial que indicaria ser por ali o trilho que desceria pela vertente, não podiam inventar, só aquele trilho os levaria ao vale e ascenderia depois ao colado Anisclo, uma das subidas mais íngremes de toda a viagem.
Foi decepcionado que o Transhumante desiste do projecto pelo qual esperou um ano , saíndo do percurso, alcançá-lo de novo implicava um dia de marcha e as condições anímicas não eram as melhores nessa altura para lhe permitirem retomar o caminho.
Baixa para a aldeia de Nerin onde felizmente o aguarda John e o transporte que o coloca de novo na continuação da marcha, desta vez mais á frente, na pequena aldeia de Parzan, a poucos quilómetros do túnel de Bielsa, pensa que talvez assim consiga chegar a Benasques , abandonada de vez a vontade de alcançar Andorra. O aneto, próximo de Benasques marcava a metade do percurso Gr11, costa a costa e seria suficiente nesse ano ,regressaria mais tarde onde se tinha perdido para averiguar melhor, por agora estava conformado e cansado,terminou o dia com uma derrota de portugal face a Espanha no Mundial da África do Sul de 2010 e jantando na única taberna da Localidade, servido por uma imigrante do Brasil, ironias do destino.
Tem 40 km para percorrer, o pé inchado dificulta-lhe a marcha, de novo Jonh passa a correr e despedem-se:-até Benasques, Pensam encontra-se novamente no final mas não conseguiria lá chegar, ao meio da tarde e feitos apenas 20 km, desiste na cabana "refúgio de de Viadós", consegue boleia na aldeia de Plan, haveria de voltar de novo no ano seguinte, esperava ele , e com melhores condições atmosféricas, talvez com menos neve nos cumes e menos chuva nas tardes curtas.
Recorda-se do ano anterior(2009) e do Miguel ,o S. Miguel do convento do século xII ? ou simplesmente um condutor de autocarro, este ano tinha comparecido diante dele um Deus alado, O Mercúrio determinado e com asas nos pés ,qual seria no ano seguinte o personagem que o acompanharia, tinha curiosidade em saber e doze meses para melhorar do entorse ,talvez não fosse má ideia usar botas na próxima vez, em lugar dos usados ténis , apesar destas lhe diminuírem consideravelmente a velocidade.
Em Ainsa ,depois de Plan ,apanha uma outra boleia boleia (fazia-o recuar aos tempos em que viajava de boleia pela Europa) desta vez deixa-o na estação de autocarros na cidade de Barbastro, com destino a Saragoça , Madrid e Lisboa, soube-lhe a pouco os três dias e meio no silencio do nada (120 km) e depois aquela interminável viagem de autocarro de 900 km, mas sabe que regressará no ano seguinte…
Por agora resta-lhe voltar A Burgos para finalizar de bicicleta o "caminho de Santiago" até Finisterra, 600 km de trilho e ele ainda pode pedalar,o movimento dos pedais não o incomoda demasiado,como treino tentará fazer a estrada mais longa do país ,a N2,com 900 km de Faro a Chaves ou ao Cantábrico,tão distante para alguns mas tão perto para ele, pensa no seu amigo Idílio,( http://bacalhaudebicicletacomtodos.blogspot.com ) a pedalar do pólo Norte ao pólo sul e como gostaria de o acompanhar ou talvez não,está tão habituado a estar só que encara como natural esse estado,esse silencio...esse nada...

Jorge santos
http://namastibetphoto.blogspot.com

Junho de 2010


 Transhumante Parte 3 (Diário de um Louco)


Os primeiros orvalhos do Outono já se faziam sentir nas planícies madrugadas de Espanha e vestiam-se de ruivo nas espigas e nas vistas da janela  do comboio/Hotel Lusitânia. O Transhumante despertava de uma noite mal dormida em solavancos e guinadas para mais uma etapa nos Pirenéus, depois de chegar a Madrid ainda teria de percorrer outras estações e outros comboios mais modernos e rápidos que o levariam até onde tinha terminado no ano anterior, em Ainsa, S. Joan de Plan/Biadós.
Um táxi colectivo despejou-o já noite, no fim da estrada de alcatrão que tão bem conhecera no ano anterior (2010), sabia a distancia que iria percorrer a pé até ao refúgio, (cerca de vinte quilómetros) mas não, se estaria aberto dada a proximidade do inverno e, para aumentar a incerteza não tinha comida para essa noite nem para se lançar nos caminhos costa a costa do GR 11.
Ainda ponderava na lucidez do seu estado mental e no que o levava a fazer este disparate de atravessar os Pirenéus do Atlântico ao Mediterrâneo quando as luzes de um veículo-tod’o-terreno iluminam a estrada, iam na mesma direcção e tinham uma valiosa informação – O refúgio estava aberto -já tinha transporte e também onde “senar” e dormir nessa noite, começara bem esta aventura de loucos.
Acordou “com as galinhas”, mal se avistava já os caminhos ténues da montanha mas felizmente o bom tempo presenteava ainda um doce fim de Setembro que mais parecia primavera e nas pernas do Trashumante, as primeiras horas decorreram gloriosas, corria como um louco, esquecera tudo quanto deixara para traz, respirava o silencio do nada numa terra inundada de loucura.
Recordava as manhãs longínquas de quando iniciou dois anos antes em Irun esta rota e lhe parecia estar tão distante do final, no Mediterrâneo em Cap de Creus, mas afinal já tinha feito metade, estava agora percorrendo a parte média ou central, mas também a zona mais alta da cordilheira Pirenaica, onde as tempestades poderiam ser mais perigosas e as etapas mais dolorosas com desníveis consideráveis(entre os 900 e os 2.700 metros).
Conhecia grande parte destes lagos de montanha e parques naturais paradisíacos, melhor que o resto da cordilheira, mas durante todos os anos que deambulou por aqui, nunca imaginara que pudesse passar um dia correndo de Norte a Sul ainda menos como lobo ou urso solitário, quase sem roupa para mudar, sem comida para as jornadas nem apoio logístico ou mesmo transporte próprio para fazer, depois de terminadas as jornadas, os 1.100 km que separavam a montanha, do conforto da casa e da família, da normalidade.
Era uma rematada loucura estar correndo os 800 km da rota Pirenaica não sendo um habitante local, habituado e melhor conhecedor da região, para estes bastavam oito dias, como lhe disseram ser o “record” da travessia, mesmo assim estava determinado a usar apenas 12 /13 dias, talvez poucos o conseguissem.
Na porta do refúgio de Estós, num papel escrito a pressa, dizia que o guarda voltaria próximo do meio-dia e meia hora, tentaria almoçar mais tarde, apesar do estômago já o avisar, esperava não perder o trilho ou perderia também a refeição do dia.
Quando descia o interminável valle de Estos interrogou uma família de camponeses locais que se encontravam colhendo “setas” (cogumelos), perguntou se estaria na direcção certa para Andorra e mais uma vez ficou desassossegado perante a resposta, segundo eles estaria completamente fora de rota e era uma loucura aventurar-se assim em distancias tão absurdas e sem saber onde estava nem por onde ir, diziam eles que Gr 11 eram todos os GR’S, pois todos tinham o mesmo nome GR 11.1,GR 11.2 etc.
Revelou-se mais uma vez ser desnecessário pedir informações a quem não entendesse as razões de outros para quebrar as próprias peias mentais.
A meio da tarde um oportuno “camping” ainda aberto nesta época, junto da estrada principal que conduz a França pelo túnel de Bielsa, proporciona-lhe a tão desejada refeição com cerveja para pacificar a sede, já se faziam notar no céu as nuvens negras da trovoada que aí vinha.
Um estradão largo e monótono condu-lo durante toda a tarde a uma portela que tardava em chegar até que, pelas 17 horas encontra duas jovens moças, Ivone e Elena a porta de um refúgio não guardado, acompanham-no e ajudam-se mutuamente a superar o medo da tempestade e dos sonhos em que um urso dourado, o devora devagar até de madrugada.
Tal como noutra etapa em que Miguel, o S. Miguel “da porta do convento”, foi um considerável apoio depois de um pé torcido, aqui Ivone e Elena, tiveram também um efeito reconfortante perante uma noite feita dia com os “flashes” de tantos e tantos relâmpagos apenas com um mero segundo entre a luz e o som, nos intervalos via aparecer perfilados “hobbits“ ,”brujas” e outras personagens surreais.
O dia seguinte ainda seria mais alucinante que a noite, o ar estava límpido como sempre fica na bonança depois da alguma tempestade e a correria pelo monte abaixo embriagava-o, o vento fustigava-o no rosto transpirado e continuava a correr indiferentes as dores nos joelhos, as bolhas nos pés, ao cansaço de todos os músculos, alguns até que nem ele sonhava existirem.
A meteorologia adiantava neve para os próximos dias em cotas acima de 2.500 metros e ele tinha de ser rápido pois apenas teria o dia seguinte para chegar o mais próximo possível de Andorra.
Tentou alcançar o refúgio de Colomers, já seu conhecido mas em vão, ao chegar a “Restanca”, de novo os guardas do refúgio o tentam convencer do perigo grande que é continuar, de noite e sob a tão terrível tempestade regressada novamente durante a tarde e num caminho mal balizado nessa zona. Ele convence-se a deixa-se ficar perante uma promessa de jantar, cama seca e do primeiro banho em muitos dias.
Mais uma vez acorda com pesadelos, noite cerrada, para tentar fazer render o último dia antes do nevão, das pistas de montanha ficarem tapadas pela neve. Surpreende-se da forma física que tem aumentado desde que chegou e da vontade anímica de correr por entre os caminhos tortos dentro do parque de Saint-Maurici/Encantats.
Chega a Espot ainda cedo, resolvido a não continuar mais além, o céu prometia neve mas sentia a sensação “Dulce” de dever cumprido. Andorra era já ali ao virar, no total das 3 etapas tinha percorrido 2/3 dos 800 km que separavam o Atlântico do Mediterrâneo pelo trilho do Gr 11, recomeçaria no próximo ano por Esterri D’Aneu, agora já por Barcelona/Manresa, mas de avião, a viagem de 24 horas comboio/autocarro para superar os 1.100 km entre casa e o objectivo era mais cansativa que a travessia da montanha grande.
Tinha um sonho por realizar entretanto, pedalar 13.000 km de Xi’na a Istambul por entre etapas e alucinações, desertos e visões de outros mundos mais ou menos paralelos.

Jorge Santos (09/2011)

Patagonia..Adeus

Patagónia trail


Torres del Paine, 25 Dezembro 2002

-- Dia de Natal para alguns mortais, não para Mim, estive dramaticamente escarrapachado sobre uma periclitante crista austral. Nem sei como voltei ao mundo dos vivos.
Escrevia jo , mentalmente no seu diário,
Pensou também que nunca chegaria , a escrever esta frase.
O céu , muito negro , despejava tremenda Borrasca. Já não pensava em todas as tretas que diria aos amigos , sobre o amor pelas montanhas , bla bla bla…sim , em salvar a vida.
Agora tinha medo, estava, cagado de medo , ate ao fundo da espinha.
Nem os olhos ousavam virar-se para o espaço vazio, os pés
Destapavam-se em abismos.
Respirava com rapidez ritmada , para enfrentar o medo que teimava em abrir-se em pânico, na pele e em todo o corpo rijo.
Partira para a patagónia e para um sonho antigo,um grande Trail no " Mundo do fim do Mundo" , o "Patagónia Express" de Sepúlveda , tinha deixado no espírito de Jo , a vontade de explorar a ultima fronteira do homem, o inexplorado, pois ele aí estava. O fim do mundo para Jo ;... era já ali, num abismo interminável.
O outro colega de escalada, desaparecido bem lá cima , nos cuernos del Paine , possivelmente nunca mais o veria.
A meteorologia , previa grandes tempestades para esta altura do ano , mas ignoraram todos os avisos, a principio não eram mais que simples flocos , lindos , que caíam, depois , o céu ficou cada vez mais escorrido, o vento soprou como demónios uivantes e pronto, Foram empurrados brutalmente encosta abaixo, perto dos três mil e quinhentos metros de altitude, não havia hipótese de se agarrarem , ao gelo fino e à neve branda. Agora simplesmente o piolet numa das mãos , o separava da grande “cravasse” sob os pés.
Aproximava-se a noite e um sentimento miserável de solidão , apoderava-se de Jo, pensou no que estava fazendo ali, o que o levou a escalar esta e outra montanhas, não…não era porque estas estavam lá.
Ele também não esperava obter resposta.
Apenas as lágrimas geladas escorreram pela face fria.
Num ultimo suspiro , solta-se do “piolet “ e ainda sente a subtil leveza do corpo pairando pelo vazio .
Até Amanhã... Pensou Jo...

Jorge santos

Jo,regresso a Samarkand.


Já prescindira dos ventos, dos belos sóis e das sublimes luas há muito, pelo que este encontro com Pepe foi como que um sortilégio para Jo, o apelo dos grandes espaços.

Pepe, de caminhar lento, avançava pela estrada, sob uma ponte de madeira, precisamente no mesmo local onde deixara outro José, o jornalista brasileiro “Zé do pedal”o Andorinhão, ia a caminho da lendária Samarkand, do fabuloso deserto de Gobi e mais além.

Ofereceu-lhe um reconfortante Café na taberna” Vendaval “à saída da Vila, falaram todo o entardecer moreno, Jo apresentava o trilho que tão bem conhecia pela serra, era o percurso diário , casa trabalho e vice-versa de bicicleta e correndo, São Paulo, vale dos barris, moinho da Páscoa, Alto das necessidades, Moinho do Cuco etc., todos os nomes encantados.

Conta-lhe todas as experiencias do peregrino que Jo seguiu com muita atenção e com todos os sentimentos de Vagabundo que também possuía, o destino de ambos eram os caminhos.

Pepe, doutor em Zaragoza , magro , queimado pelo sol , perto de meio século bem vividos ao vento pela serras e planícies deste universo.

Não fosse o facto de lhe ter dado um abraço forte Jo não confiaria nos seus sentidos, um dos seus personagens havia regressado do fundo dos sonhos.

Sim, era realidade, os figurantes imaginários personificavam-se-lhe deste lado, Samarkand, kashgar e Lhassa permaneciam longínquas mas estes afluíam ao seu encontro um logo após outro.

Visto da guarita alta, onde Jo levou o Peregrino, o que parecia um largo Lago, estendia-se ,perante os olhos , por quilómetros depois da Serra Rasa, a Arrábida e desdobrava-se em abraços de um e outro lado da vila Cava, Setúbal o Sonho do Sado e Mar dos golfinhos alados.

Foi um par de tons que Pepe não mais esqueceria, o anoitecer sobre a Baía mágica do Sado e os despertares lentos e soalheiros de tons matinais e magistrais.

Quando finalmente se despediram, no moinho do cuco, o coração de Jo ficou mais pequeno ainda .
Tinha de continuar correndo, o comboio que o levaria de novo para a aventura ia partir breve ,
Apenas o tempo de pôr a mochila sobre as espáduas, calçar os ténis velhos, os calções usados e partir de novo ao encontro de sonhos e outras Matinas.

Jorge Santos

Senda Negra

Lanugens de jovem alfombram cadências de pele acastanhada e levemente rosada, evolucionam gradualmente e finalizam em deleitosos montículos que se elevam tesos em amendoim tostado. Melindrados, permitem-se intumescer do toque subtil dos lábios. Pelo menos na febril imaginação de Joel repassava esse sentimento.
Procedendo de elegante linha formam delta bem negro num profundo e algo intangível lago de onde se ausentam longas pernas em seda negra luzente.
Toda uma elegia voluptuosa enquadra o delta onde um vórtice umbilical se espraia em harmonioso declive.
Deslumbra-o o corpo posado da modelo e deixa se voar num cosmos paralelo de culpas e musas, negras sendas e encarnações de jovem.
Aqui e além surge já uma penugem mais densa, estende-se progressivamente ao fundo do lago e outra linha labial carnuda assoma debaixo, ladeia e distingue-se suavemente de um montículo rígido mais claro que o culmina.
Em cada evolução gestual sente-se equilíbrio e o corpo desfila num sem fim sensual de ténues curvas magnificamente produzidas em tons de seda preta.
Longos fios como cascatas em torvelinho ladeiam um rosto discreto de voracidade branda.
Sons macios a seda e cetim dispersam-se pelo silencioso ambiente ao menor movimento.
O Colo elevado e levemente inclinado permite que a catarata de cabelo repouse sobre um dorso modelado e enlaça com as nádegas fixas do corpo negro e delgado do modelo.

Do lado mudo do quarto Joel extasia-se em pinceladas precisas num quadro inacabado.
Nascido ataviado em noite de agonia, sem guerra e gloria, Joel Matos.
Hei-o…

Por Jorge Santos

Rumba

O sofrimento revelava-se-lhe, no rosto de Fidélio pressentia-se um coração partido e no corpo algo quebrado pesava uma grande paixão não correspondida.
Riu-se da associação de palavras que voavam sobre a sua cabeça como as grandes flores amarelas que levemente caiam das árvores meio despidas e cobriam o chão.
Rhum, Rumba e Cuba, embora o rhum fosse mais forte, ele ainda teimava pensar em rumbas e rimas inofensivas ,até para o estado Cubano se presumiam inocentes estes termos.
Abria caminho entre folhas e flores até um instável cais de madeira podre, tão apodrecido como os governantes de Cuba, pensou ele, cambaleante.
De Madrugada no Outono de Havana , o mar das Caraíbas apesar de onírico e quase plano aquela hora da manhã, não lhe transmitia a tranquilidade que parecia desejar .Apesar de jovem, secretamente alimentava-se de paixões impossíveis e escrevia poemas secretos.
Ao vai e vem lento das ondas calientes do mar tropical, responde o corpo de Fidélio, numa vontade louca de naufragar ou de deixar fluir os sentidos e os desequilíbrios cadenciados, imitando o refluir das vagas tranquilas.
Desde que deixara Dolores no”Che “ Cientro Cultural de Dança ” na noite anterior, o tempo apenas aumentou a dor da rejeição, um sofrimento tão profundo como ainda não tinha sentido.
Ensaiavam , entre outras danças, a Rumba, desde crianças, mas só agora na adolescência ,sentiu aquele quimérico prazer de tocar ,com a ponta dos dedos a face de Dolores ao dançar, de acariciar, de a sentir respirar encostada ao peito, afastar-se (um e… dois) encostar de novo (três e…4) o corpo, mansamente contra o seu ,num arrebatamento voluptuoso e lento.
O pai de Dolores, homem importante na “nomenklatura” do partido acumulava, entre muitos, os cargos de presidente do “Che -Cientro Cultural de Dança” e Comissiones Obreras de Cuba , Fidélio escrevia para um jornal clandestino.
Tinha resolvido beijar longamente Dolores e fê-lo; …as consequências foram devastadoras, ela, com um movimento lento mas forte e enérgico derruba-o , num pavimento demasiado encerado, indo parar junto ao pai, que acabava de entrar no salão de baile.
Todas as atenções e todos os dedos espetados o pareciam apontar, até que este, num prodigioso salto foge e afoga-se devagar no rum por todos os bares e dancetarias de Havana.
O tempo abrandou a marcha na cidade quente de piratas e Al Capones , os bares musicais mantiveram-se abertos até tarde e a “ salsa ” ouve-se ,redonda ,ao longe, imitando o motor de velho carro americano e aumenta a mágoa que aperta o coração de Fidélio.
Aproximou-se decidido da amurada em madeira quebrada e seria este o epílogo, não viesse em seu auxílio uma mão delicada, num movimento leve e o salva de morte certa, era Dolores que mais uma vez suavemente encosta o corpo ao de Fidelio para mais uma rumba no “Che -Cientro Cultural de Dança”

J.Santos

Feitiço da Terra

A Vila de Coca não constava no mapa, lugarejo húmido e circular construído sobre estacarias na beira pantanosa do rio Napo, um afluente vigoroso do Amazonas e local onde um velho autocarro, cheio de galinhas e gente, regressava semanalmente, perante o alvoroço dos Quinchuas e estancava ruidoso em redor de um enorme pau, que servia também de porta-estandarte ao único militar equatoriano destacado naquela última fronteira.
Pressentia-se sempre o início das tempestades quentes que assolavam Coca com frequência, como um pesado pano desciam sobre o palco esfusiante de verde naquele perdido pedaço de mundo ao som de mil tambores e , quando subitamente paravam, restava apenas metros de água barrenta sob barracas velhas como jangadas em oceano aberto.
O baixar das águas era um frenesim de galináceos que corriam como doidos, bicando grandes vermes de todos os feitios na lama que chegava aos joelhos de quem se aventurava na rua.
Aos sons nocturnos não faltavam nenhumas notas musicais, estavam todas lá, e ao mesmo tempo.
Toda a floresta respirava vapor e cheiro a uma humidade constante que dilatava os poros e cansava o corpo.
Dormia-se as sestas em redes suspensas , mas somente até as crianças chegarem da missão católica , já sem a farda estrangeirada imposta pelos padres e chapinharem nus e felizes gritando alto nas águas quentes do rio.
Belén também era um nome estrangeiro,foi dado a uma menina Quinchua que nadava como os peixes , com os Botos brincava todas aquelas tardes encantadas, longos cabelos dourados como as águas do Napo com que se confundia nas noites de grande luar, parecia fazer parte dele.
Sem família, simplesmente apareceu e depressa cativou a simpatia de todos, com gargalhadas alvoraçadas muito semelhantes às vocalizações dos golfinhos que se ouviam por toda a aldeia.
Dizia que era filha de um boto do rio Pastanza e a mãe da aldeia de Belén , daí ter recebido esse nome em sua memória .Talvez pai e mãe voltassem uma noite de luar para a levar , suspirava ela.
As incessantes aguas e as estações desceram muitos rios com a confiança de sempre, Belén tornou-se mais bela e esguia e cada dia mais inseparável do rio e de um Amigo Aymara chamado mayo , jovem que nasceu mudo e vivia num mundo muito próprio, falava com as estrelas , o vento e a floresta, via o horizonte como ninguém mais por ali, tinha olhos verde profundo e a pele cor de terra, Chamavam-lhe feiticeiro e era inseparável do feitiço de Belen como a vida é inseparável da Terra.
Chegaram um dia os engenheiros e as grandes máquinas infernais, diziam que iam trazer o progresso, construíram estradas e barragens, Coca ficou fazendo parte do mapa turístico do Equador, construíram-se hotéis nas grandes árvores, a vila cresceu e esqueceram a sagrada simbiose com a mãe natureza.
Sem aviso numa noite quente de luar Belén desaparece, viram-na ao longe na curva do rio, distanciando-se no luar, cabelos dourados em turvas e turbulentas águas.
Mayo perdeu o verde nos olhos, tornaram-se vagos e cegos, a pele ficou seca, parou a chuva e o rio secou, deixaram-se de ouvir os botos , os caimões na noite e as aves na floresta.
Mayo deixou de falar com o vento e as estrelas, deixou de ver o horizonte verde, agora todos tinham acesso a altas torres de comunicações mas mesmo assim não liam os sinais da Terra, deixaram de compreender o feitiço de mayo.
Mayo deixou-nos a todos, com a tristeza ,os profundos olhos verdes secaram, a linda Belén não mais foi vista,os cabelos dourados, nadando na distancia do rio Napo, ao luar….
Talvez tenha encontrado o pai ,que vivia no Pastanza e a mãe de Belén e ainda nade no que resta do grande Amazonas.
Talvez não, porque Mayo e Belén eram inseparáveis, como o feitiço da Terra e o encantamento das águas…


J.Santos

Tango


Tango O último raio de sol ainda ilumina as largas ruas, as latinas e quadradas plazas de Buenos Aires fim de tarde. Edifícios dourado róseo resplandecem de brilho , pesadas construções de pedra, simbolismo Espanhol noutro lado do mundo. No colorido e caprichoso bairro de Boca lentamente vão-se juntando pessoas em círculos nas estreitas e sinuosas ruas ,indiferentes ao trânsito. Um par vestido de negro dança ao som do tango, peles morenas e transpiradas, concentração total no movimento e no momento dançam com a alma pungente das guitarras espanholas. Aos câmbios de ritmo pronunciado dos músicos o par responde com o corpo num frenesim exagerado de sentimentos e emoções e em sintonia com o catalogo de cores das ruas contagia o mais lúgubre transeunte acotovelado na calle Santiago. Raul e Constância conheceram-se nas docas e ainda poucas palavras tinham cruzado até os pés desenharem os sons invisíveis das ruas. O bar totalmente cheio e a canilha de chá-mate vazia levaram-nos para outras paragens mais afastadas do rio La Plata, tinham no corpo magro a maldição da música, dançar transportava-os através de dimensões cósmicas que outros seres vivos ignoravam. Constância andava pelos trinta e poucos anos de idade, tinha coxas sensuais e uma bela silhueta de bailarina, pescoço esguio, olhos muito escuros e pele bronzeada, movimentos largos e suaves que controlava perfeitamente enquanto as mãos com longos dedos deslizavam demoradamente pelo corpo de Raul. Este era um pouco mais novo, Marinheiro e homem curtido pelo mar, em cada porto procurava o calor ausente das brisas marinhas, também ele dançava por paixão ,em todos os cais e com todas as amantes ocasionais. O tango foi alucinante assim como o devaneio que os uniu por um instante, as horas pareceram-lhes ínfimas fracções temporais. De mão dada ignoraram a vaga multidão calada e tão breves como chegaram afundam-se na distância da rua. As laranjeiras baixas ocultam a noite e esta fecha-se em cheiros doces e sombras dúbias onde dançam macabras todas as dúvidas e fantasias. Mal pendurada na parede branca uma placa em ferro ferrugento denuncia “pension” algo mais indistinto ainda: “Toscânia”; no interior, um pequeno pátio em terra batida, com muitos vasos e quartos dispostos em quadrado, preenchem um ambiente floral italiano deslocado em estranha noite austral. Raul e Constância trocam as roupas escuras e usadas pelos alvos lençóis e dão-se com fúria de vendavais, até que o fulgor da chama finda , os seus destinos afastam-se em silêncio cúmplice….. J.Santos

"O Chico das saias"

Este conto será a minha pequena homenagem a um ermita que viveu na nossa serra mãe,a serra da Arrábida. Escreverei pela memoria que tenho deste homem singular cuja presença junto a sua casa em plena serra coabita no meu imaginário com a beleza magnífica do cenário envolvente
Chico das Saias (parte 1)
João Julião cansou-se da cidade de Setúbal e foi viver para Azeitão, barbeiro e amante da natureza, ficaria mais próximo das corridas e dos grandes espaços livres, partiu de Setúbal e do apartamento no Bairro do Liceu próximo de onde trabalhava, poderia pedalar do Salão de barbeiro ate casa e vice-versa, sentia-se pelo caminho o homem mais feliz do mundo quando percorria estreitos caminhos de terra-batida, sentia o cheiro peculiar da chuva, ouvia os pássaros festejando o dia e o vento refrescava-lhe o rosto transpirado.
Nos fins-de-semana alargava a corrida, partiu nesse dia em direcção a Sesimbra por um caminho que não fazia há muito, era largo , com areia e muito difícil de percorrer, ligava Sampaio com a Quinta do Conde. Passou o imponente portão da Quinta do Calhariz, atravessou-a ate a Serra do Risco e ao “prado das carraças” como lhe chamavam os ciclistas todo-o- terreno, foi do Portinho da Arrábida ao Convento por um caminho estreito muito antigo, depois subiu o Alto Formosinho onde parou por breves instantes observando o grande percurso feito e antes de descer para a Mata do Vidal, o Castelo dos Mouros e o parque campismo dos Picheleiros, admirava-se conseguir correr tanto, tinha começado à anos por percorrer cerca de cinco quilómetros, agora tinha deixado de contar o tempo e a distancia.
Estava com sede, parou para pedir água junto a uma casa dissimulada no meio da serra, a cabana do Chico das Saias, há muito não passava por lá, a água sabia aí mais pura e gostava de falar com aquela personagem singular e pragmático. Ficou surpreendido por ver a casa destruída, com as gavetas arrancadas dos velhos móveis, papeis espalhados e sem sinais do ancião.
Conhecia -o há tantos anos como a Arrábida, Chico Carcavelos era o seu nome mas todos o conheciam por Chico das Saias e era indissociável daquela serra, sempre o conheceu velho, ele próprio confessou-lhe não saber a idade que tinha, estaria pelos cem, mais coisa menos coisa.
Regressou a casa triste e pensativo, sem saber o que tinha acontecido, gostava dele, pela coragem de fugir do mundo, tinha uma saúde de ferro por isso algo se passava e resolveu investigar.
Ao jantar João conta o sucedido ao filho Brian, de dez anos, criança curiosa e imaginativa. Devido a origem da mãe ser em Joanesburgo e o pai gostar do filme dos monthy python`s “Life of Brian” este tinha um nome Inglês difícil de ler pelos colegas de escola.
Brian lembra ao pai que a quinta ao lado da casa tem o mesmo nome do Chico, Quinta de Carcavelos,Vinha da Sardinha, o sítio onde alguém plantou uma cruz enorme azul e branca iluminada como um farol na noite, numa soube porquê, se seria algum local de culto ou apenas mau gosto.
Descobrem com tristeza que o Chico tinha sido encontrado morto meses antes e com evidentes sinais de violência física na cabana onde vivia.
No dia seguinte Brian descreve os acontecimentos aos seus amigos Gonçalo e Rafaela durante o passeio diário de bicicleta pelo campo acompanhados pela cadela Inuit, uma linda husky que encontraram abandonada, estes disseram-lhe que desconfiavam já dos movimentos suspeitos no interior da quinta.
Encostaram as bicicletas junto a casa das tortas de Azeitão, chamada casa do cego, eleita também pela sua cadela para passar os dias deitada á porta espreguiçando-se e esperando por algumas migalhas, Perguntam ao dono, um senhor baixo, gordo e simpático o que sabia sobre o Chico das Saias, este diz-lhes que talvez na quinta da Conceição, onde ele trabalhou desde criança ou o senhor Pedro da quinta do Calhariz, também amigo do Chico lhes pudessem informar sobre pormenores da sua vida.
Eles conhecem bem o sítio do Negrão ou da Conceição, costumavam apanhar lá marmelos para fazerem uma marmelada muito boa, mas por vezes aparecia um dos donos muito antipático pelo que tinham de fugir rapidamente, notava-se que não gostavam de visitas.
O enorme palácio com estátuas de gárgulas nos beirais e demónios nas escadarias assustava-os mas mesmo assim fizeram tocar o grande sino ...
Abriu-lhes uma porta que rangia fortemente o dito homem que não queria que apanhassem os marmelos e disse rugindo:
- O que querem daqui seus larápios.
Responderam ao mesmo tempo e com vontade de fugir dali , que só queriam umas informações sobre o Chico.
-Não conheço nenhum Chico, e saiam já daqui ou solto os cães.
Correram o mais que podiam até ficarem longe da casa, sentiam-se tristes por não conseguirem saber a história daquele homem mas ao passarem perto do pastor da propriedade este chamou-os e disse-lhes que tinha conhecido bem o Chico quando trabalhava com ele na Quinta:
- Bom homem, pena ter-se passado ..., ir viver prá serra vestido de mulher …ah ..,cá pra mim foi pena d´amor ,ele e o filho do dono da quinta ,o pai d´aquele ....
Apontou a porta da casa onde tinham estado
-Gostavam da mema mulher , que trabalhava também aqui mas desapereceu sem deixar rasto…
continuou dizendo ,- grande desgosto teve o senhor Salgado quando o Chico saiu daqui….ate di´ziam que era como se fosse um filho pra ele..se não era memo..
chegou-se mais a eles e segredou-lhes em voz muito baixa :
-…até dizem prá´i que há um testamento secreto pró Chico mas ninguem sabe nada…quaquer coisa com a quinta de Carcavelos ..não sê más nada…
(continua) mas não sei quando!!!!

tradutor

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